(São Paulo: Companhia das Letras, 2019)
Enviado pela TAG Curadoria para seus assinantes em Novembro/2019
"A surpresa lhe corta a respiração. Nem mesmo em sonhos ela ousara imaginar-se tão bela, tão jovem, tão enfeitada [...]: começara nesta criatura humana o êxtase da transformação." (p.63; 65)
Olá beletristas, tudo bom? Nesse último post do ano de 2019 trago pra vocês a resenha de minha última leitura do ano: o romance Êxtase da transformação, do autor austríaco Stefan Zweig. Confesso que fiquei surpresa ao abrir minha caixinha da TAG Curadoria de novembro pois há muito tempo mesmo não ouvia falar desse autor, salvo quando li, de sua autoria, o famoso "Brasil, o país do futuro" - retrato apaixonado do Brasil sob a ótica de um exilado que veio pra cá em busca de um recomeço. No caso o exilado é o próprio Stefan Zweig, que por também ser judeu, teve que fugir do anti-semitismo, do regime nazista e da 2a Guerra Mundial.
Nas décadas de 1920 e 1930 Zweig foi bastante celebrado como autor, tendo escrito muitos contos, novelas e romances, e grande parte de sua produção literária teve adaptação cinematográfica. O que aconteceu é que, com o nascimento de uma nova ordem sócio-política na Europa e com as consequências da 2a Guerra Mundial a obra de Zweig ficou esquecida - seus livros foram banidos / queimados pelos nazistas. Mas enfim, o que importa é que desde a década de 1970 existe um resgate de seu legado e eu, particularmente, gostei bastante dessa escolha da TAG Curadoria.
A história central de Êxtase da transformação foca na personagem Christine, uma assistente postal de 28 anos (ela trabalha em uma agência dos Correios) de uma vila austríaca que leva uma vida de total privações, ao mesmo tempo que cuida da mãe doente e à beira da morte. Um belo dia ela recebe um telegrama de uma tia que não tem notícias há décadas e que imigrou para os EUA: ela e o marido ficariam felizes se Christine fosse passar as férias com eles em um hotel luxuoso nos Alpes Suíços. A princípio Christine pensa em recusar, mas sua mãe lhe diz para agarrar a oportunidade e ir. Então ela vai. E é lá que ocorre o grande "êxtase da transformação".
Clara, irmã da mãe de Christine, foi para a América pouco antes de estourar a 1a Guerra Mundial e lá casou e enriqueceu. Ao se encontrar com a sobrinha, ela percebe como seus parentes que ficaram e sobreviveram à guerra na Europa de fato empobreceram. Clara então providencia toda uma transformação para Christine - desde a toalete íntima aos vestidos de seda. Por isso o título do romance: a jovem Christine fica extasiada com a transformação que se opera nela, desconhecendo mesmo sua outra persona. Ali, naquele hotel de luxo, ela se depara com um mundo apenas vislumbrado em sonhos: muita comida e bebida, automóveis rápidos, pessoas bonitas e educadas, empregados que executam os serviços rapidamente, camas grandes com lençóis macios e homens ricos que lhe fazem a corte constantemente, desde o sexagenário lorde Elkins a um jovem engenheiro alemão.
Mas no auge dos dias de deslumbre, Christine é repentinamente mandada embora pelos tios; aqui não darei spoiler. E é aí que começa seu verdadeiro inferno: a volta à sua antiga e miserável vida. Tendo experimentado o que há de melhor, Christine sentirá ódio e amargura ao tomar consciência de seu lugar no mundo. Enxotada do paraíso sem saber a razão, a jovem analisará melhor a sociedade em que vive e o que esperar de seu próprio futuro.
No meio desse turbilhão íntimo, Christine conhecerá o ex-combatente de guerra Ferdinand, amigo de seu cunhado Franz. O moço de 30 anos representa a grande desesperança diante de um Estado falido que luta para se recuperar de uma guerra perdida- no caso a recém proclamada República da Áustria. Para quem não lembra, antes da 1a Guerra Mundial havia o Império Austro- Húngaro; o império perde não só a guerra (junto com a Alemanha) como também muitos territórios.
Como a história se passa no período entre guerras (década de 1920), é perceptível a crítica social impressa de forma latente nas linhas do romance: tanto Christine quanto Ferdinand conheciam uma vida boa (eram burgueses) antes da guerra, mas tudo se acaba quando o conflito vem à tona. Obviamente que as experiências amargas de Christine não são as mesmas de Ferdinand - os relatos deste oferecem uma boa crítica sobre como o ideal revolucionário não melhorou a vida de ninguém; só iludiu o povo. Mas os dois jovens terão suas vidas ligadas por esse fio de sentimento tão bem conhecido por eles: o ódio à vida miserável e sem perspectivas que ambos possuem. Quem sabe daí não surge uma solução, ainda que desesperadora, já quem ambos não tem nada a perder.