(Rio de Janeiro, Ed.Intrínseca, 2016)
"O corpo de uma mulher faz mil coisas diferentes, dá duro, corre, estuda, fantasia, inventa, se esgota [...]" (p. 45)
A autora italiana Elena Ferrante, que não sabemos quem é, pois este nome é seu pseudônimo, nos presenteia com uma rara e emocionante visão sobre a maternidade neste romance curto e de linguagem envolvente, bem longe de ser piégas. Leda é uma bela mulher na faixa dos 40 anos, independente, professora universitária, cujas duas filhas adultas foram embora para morar com o pai no Canadá. Logo ela se vê estranhamente livre e desobrigada de suas funções de mãe, e resolve passar as férias em uma cidade italiana à beira da praia, a fim de descansar e preparar suas aulas para o próximo semestre.
Por frequentar a praia todos os dias, Leda começa a observar o relacionamento entre a jovem Nina e sua filha de dois anos Elena, percebendo também a dinâmica das relações familiares (conflituosas em silêncio) de Nina com a família de seu marido, um homem bem mais velho. Essa observação faz com que Leda relembre sua própria trajetória como mulher que foi mãe jovem, revelando sentimentos contraditórios na educação das filhas, procurando detalhes do passado que pudessem justificar suas ações. Em suas lembranças, Leda também "passa a limpo" a figura de sua mãe, mulher cujas atitudes insensíveis são criticadas por ela. O amor de mãe é questionado nesse romance, por ser o tema principal.
"Como adulta, sempre tentei me lembrar do sofrimento de não poder mexer nos cabelos, no rosto, no corpo de minha mãe.[...]"(p.57)
Ocorre um fato meio "dramático" um pouco antes da metade do romance e que definirá o resto do desenvolvimento da história: a menina Elena perde sua inseparável boneca no dia em que ela mesma se perde de sua mãe, na praia. Leda é quem encontra a menina, chorando, não porque se perdeu da mãe, mas porque perdeu sua boneca. Essa boneca também se torna metaforicamente um gatilho para as várias lembranças de Leda, principalmente as ações que definiram o rumo de sua vida e a tornaram a mulher que é no tempo presente.
"Às vezes, precisamos fugir para não morrer." (p.84)
A leitura de A filha perdida não serve apenas para refletirmos sobre as questões maternas, mas acima de tudo para pensarmos em como nós, mulheres, maduras ou jovens, mães ou não, nos relacionamos entre nós; o que é que nos falta para nos tratarmos com mais gentileza e com menos obrigações imputadas a nós pelas convenções sociais? O que é que falta a nós, mulheres, irmãs, mães, filhas e avós, para que nos enxerguemos com mais humanidade, para além dessas imagens instituídas pela sociedade?
"As coisas mais difíceis de falar são as que nós mesmos não conseguimos entender." (p.6)