terça-feira, 24 de novembro de 2020

"A moça do internato", novela literária de Nadiêjda Khvoschínskaia.

(Porto Alegre: Ed.Zouk, 2017)

"- Eu prometi que nunca mais deixaria outra pessoa ter poder sobre minha vontade." (p.164)

Olá beletristas! Se você, como eu, sempre teve vontade de ler um texto de ficção de alguma autora russa do século XIX, recomendo esta novela literária escrita por Nadiêjda Khvoschínskaia em 1861. Segundo o prefácio excelente do tradutor, professor e pesquisador Odomiro Fonseca, nem de longe A moça do internato é a única produção literária da autora, que em sua época publicou muitos contos, novelas, romances e poemas em periódicos (como era de praxe) e foi amplamente reconhecida pela crítica e por seus contemporâneos intelectuais. Khvoschínskaia era uma mulher antenada com as transformações políticas e sociais pelas quais passava a Rússia na segunda metade do século XIX mas não se filiou a nenhum movimento específico, singrando dessa forma uma trajetória literária independente, sem deixar de demonstrar o posicionamento crítico em seus textos.

Nesta novela verificamos a crítica feroz à condição feminina na sociedade russa, uma mulher que possuía acesso a uma educação de "fachada" sem na verdade ter poder de escolha sobre seu destino e sua vida, como trabalho, casamento e filhos. A liberdade é algo questionado apenas quando se percebe que não se tem e isso acontece com a personagem central da história, Liôlienka. Aos 15 anos a moça frequenta o internato local destacando-se como a melhor aluna; como primogênita dos filhos, ela também representa o modelo da filha e irmã ideal. Ao conhecer seu vizinho, o jovem funcionário público Veretítsin, sua concepção de vida muda drasticamente pois ele insiste que tudo aquilo que ela estuda não lhe servirá de nada, pois seu destino já está traçado: no devido momento seus pais lhe arranjarão um noivo, ela casará e terá filhos, cumprindo com o papel de tantas outras mulheres que vieram antes dela e que a sucederão.

A vida de Liôlienka muda após essa conversa casual, bem como sua percepção das coisas e do mundo que a cerca. Aos poucos ela comete pequenos atos rebeldes como não passar nos exames finais do internato e ler livros que não leria em outras circunstâncias (Veretítsin lhe empresta "Romeu e Julieta" de Shakespeare e a moça fica chocada com a intensidade da história). Quando descobre que seus pais estão planejando seu casamento, já que ela fracassara nos estudos, Liôlienka resolve agir.

Sim, está claro para nós que a jovem é a heroína dessa história e encarna já a luta pela emancipação feminina, mas gostaria também de destacar a sutileza e maestria da construção dessa personagem, bem como a de Veretítsin. São pessoas que estão em um processo de revisão de valores e pontos de vista, apesar de viverem momentos distintos, cada um à sua maneira. É importante dizer que Veretítsin mora com a irmã, o cunhado e os sobrinhos pois foi obrigado a se mudar para aquela cidadezinha do interior; ele está sob vigilância policial (sob a censura do czar, na verdade) por ter publicado escritos considerados subversivos: ele cumpre uma espécie de pena. É um homem que, aos 24 anos, perdeu as esperanças sobre a vida e o futuro, então a primeira conversa que ele tem com Liôlienka revela essa amargura niilista.

A moça do internato possui dois grandes momentos e eles se dão por meio de dois grandes diálogos entre personagens, de uma construção e desenvolvimento bastante intensos: no início, a situação de Veretítsin nos é apresentada, no diálogo entre este e seu amigo de infância, Ibráiev; e no último capítulo, quando ele reencontra Liôlienka em São Petersburgo, após uns 10 anos sem terem notícia um do outro. Devo dizer que este momento final é simplesmente arrebatador e compensa por todo o livro.