segunda-feira, 21 de outubro de 2019

"Dias úteis", livro de contos de Patrícia Portela

(Porto Alegre: Dublinense, 2019) 
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É como viver, para quem ainda não tenha percebido do que se trata. (p.18)

Olá beletristas! A resenha crítica deste mês é de mais um autor português contemporâneo - no caso uma autora, até então desconhecida por mim: Patrícia Portela. Ela já escreveu várias obras e Dias úteis é sua mais recente publicação (2017). Algo interessante sobre a formação de Portela é que ela não é apenas escritora mas também artista em um conceito mais amplo: já idealizou e executou diversos projetos artísticos interdisciplinares, como espetáculos teatrais e instalações. Outra curiosidade sobre sua vida pessoal é que Portela vive entre Portugal e Bélgica e fez cursos em diferentes países, sempre voltados para as artes (cênicas e/ou plásticas).

Os contos que integram Dias úteis demonstram essa versatilidade e essa união entre as palavras e a performance, indicando uma fusão plena entre imagem, cena, voz, atuação e perspectiva, sem deixar de lado o trabalho lírico com a linguagem. Afinal de contas, tudo se volta à arte, não é mesmo? A própria literatura é arte em palavras e contém em si a força imaginativa. Apesar da "orelha" do livro evocar sua divisão em sete contos curtos, "um para cada dia da semana", eu considero que na verdade são 9 contos: prefácio fora de jogo, didascália, segunda-feira, terça-feira, quarta-feira, quinta-feira, sexta-feira, porque hoje é sábado e epitáfio de domingo para o dia seguinte. Isso sem contar as epígrafes, que por si só contém a essência das narrativas, transformando-se em novos textos a serem (re)descobertos. As epígrafes são convites para adentrarmos o texto, e a primeira delas resgata o poeta/ heterônimo pessoano Ricardo Reis:

passeemos juntos
só para nos lembrarmos disto...

Então entramos no livro e passeamos pelas cenas descortinadas pelos múltiplos narradores, como se fossemos espectadores ávidos de conhecimento sobre a vida cotidiana - mas esse é o jogo que se estabelece lá no prefácio: cuidado, porque esse jogo aí não tem regras e por conter inúmeras expectativas, pode ter resultados diferentes para cada leitor. A didascália estabelece um acordo entre ambas partes: vamos devagar, sem julgamentos ou pretensões, sempre atentos a um possível retorno. A segunda-feira nos confronta com o ambíguo conformismo/inconformismo típico do vazio da vida ligada no piloto automático. A terça-feira nos traz o desabafo em uma sessão de terapia, e o inevitável confronto (de novo!) conosco. A quarta-feira nos leva a uma perda, a um fragmento de memória, de um retorno a uma porta há muito tempo trancada.

A quinta-feira revisita a jornada de um Orlando contemporâneo, em busca do seu próprio tempo, lugar, memória e identidade, questões tão limítrofes e urgentes nos dias de hoje. A sexta-feira evoca o silêncio que clama tão alto dentro de nós mesmos, e por isso é a voz mais significativa que podemos ouvir. Porque hoje é sábado nos obriga a sucumbir à memória da pessoa amada morta, pois "a memória é um inimigo poderoso, mantém o cérebro a funcionar contra a sua vontade." (p.90) O epitáfio de domingo para o dia seguinte...bom, depois de tantos mergulhos e revelações, esse epitáfio é nosso como queiramos escrever. Ou interpretar. Ou (re)viver. 



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