(São Caetano do Sul: Ed. Wish, 2019)
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"Os homens não, eles podem matar, fazer guerra e expor seus colhões mundo afora que nada disso afronta ou os acomete a justiça pelos seus atos. Porém a mulher já nasce silenciada. Se pudessem os homens impedi-las sequer de chorar ao nascer, o fariam." p.108.
Olá beletristas, tudo bom? Hoje vim indicar a leitura de O infame clube vitoriano das mulheres livres, organizado por Valquíria Vlad e Karine Ribeiro. A linda edição da editora Wish traz histórias de mulheres que ousaram ser livres durante um período histórico inglês conhecido como Era Vitoriana, possuindo esse nome devido ao longo reinado da Rainha Victoria que compreendeu o período de 1837 a 1901.
Apesar do luxo e expansão do império britânico caracterizarem esse período, assim como a consolidação da Revolução Industrial, a era Vitoriana também ficou conhecida por seus rígidos valores puritanos e pelas atitudes de uma sociedade hipócrita (pois por baixo desse estilo conservador, o número de prostíbulos e casas de ópio aumentaram consideravelmente). A sociedade vitoriana também quase não permitia uma ascensão social justa, já que o que importava era colocar as massas para trabalharem nas fábricas por longas jornadas exaustivas - assim sendo, a exploração de mulheres e crianças é uma denúncia constante em vários relatos deste período. Não haviam escolas, as habitações e condições de saneamento eram muito precárias e as grandes cidades inglesas demonstravam claramente uma desigualdade social extrema, apesar do crescimento econômico. Um dos maiores autores da era vitoriana, Charles Dickens, retrata muito bem esse panorama em seus romances.
Mas as histórias que permeiam O infame clube tem a ver com as formas de liberdade que várias mulheres vitorianas buscaram para si, apesar de que seu objetivo final de vida fosse o casamento, aliado a uma vida marcada pela repressão e rigidez de costumes (ambos metaforizados no temível corset, peça de vestuário íntimo feminino que apertava horrores as costelas para que a mulher alcançasse um nível impossível de cintura fina, e consequentemente, de um padrão de beleza meio mórbido que hoje em dia me parece ser mais romantizado do que criticado).
O infame clube vitoriano das mulheres livres é uma coluna de jornal britânico editado e publicado por uma mulher que possui o pseudônimo A Dama. Ela recebe cartas de mulheres que se sentem à vontade para contar suas histórias, para que assim, mostre às mulheres que leem que existe uma saída para suas angústias e opressões, encorajando-as a ter esperança. Não sabemos enquanto leitores se são histórias fictícias ou verídicas, mas acredito na máxima "a arte imita a vida". Uma das histórias eu verifiquei que realmente a protagonista existiu: a famosa Lady Isabel Burton, que acompanhou o marido em inúmeras aventuras pelo mundo afora além de ter publicado vários livros sem utilizar o artifício do pseudônimo. Ela diz que o marido sempre a incentivou a ser de fato "uma companheira de vida" e a escrever suas histórias. E ao que parece, um casal assim em plena era vitoriana é um verdadeiro milagre da existência social.
As histórias em geral refletem artifícios usados por mulheres que ansiavam por fazer valer sua independência financeira, realizar seus sonhos e até mesmo se defenderem de injustiças cometidas contra elas. Lemos sobre casos de travestismo, em que a mulher se traveste de homem para tocar os negócios da família ou simplesmente frequentar a escola de música; lemos sobre exemplos de sororidade, em que uma escrava salva sua senhora da morte ou quando uma ex-cozinheira estende as mãos à patroa recém-divorciada e excluída socialmente. Lemos sobre a vontade de uma moça em aprender a montar cavalos, mas é proibida pelo pai, que entende neste ato o perigo da ideia da liberdade.
Enfim, de várias formas percebemos que, por mais que a submissão às regras da sociedade vitoriana fosse o esperado, várias mulheres ousaram ir além. E ainda bem que ousaram. E tomaram coragem. Sem esses exemplos, da vida real ou não, talvez outras mulheres não ousassem chegar ao patamar que chegamos hoje. Somos frutos de um passado histórico de conquistas e lutas, e olhar para trás, nesse sentido, me dá um certo conforto de que consigo seguir em frente e lutar por minhas ideias. Até porque, engana-se quem pensa que a guerra está ganha. O percurso trilhado por nós mulheres, pelo que observo diariamente, ainda é bem sinuoso e espinhoso. Avante então.
"Eu espero que como mulher você encontre a liberdade de um menino." p.34.