segunda-feira, 12 de agosto de 2019

"O infame clube vitoriano das mulheres livres" - org. por Valquíria Vlad & Karine Ribeiro

(São Caetano do Sul: Ed. Wish, 2019) 
(Você pode adquirir o livro clicando AQUI e não pagará nada a mais por isso, e ainda ajudará o blog a se manter! Obrigada!)

"Os homens não, eles podem matar, fazer guerra e expor seus colhões mundo afora que nada disso afronta ou os acomete a justiça pelos seus atos. Porém a mulher já nasce silenciada. Se pudessem os homens impedi-las sequer de chorar ao nascer, o fariam." p.108.

Olá beletristas, tudo bom? Hoje vim indicar a leitura de O infame clube vitoriano das mulheres livres, organizado por Valquíria Vlad e Karine Ribeiro. A linda edição da editora Wish traz histórias de mulheres que ousaram ser livres durante um período histórico inglês conhecido como Era Vitoriana, possuindo esse nome devido ao longo reinado da Rainha Victoria que compreendeu o período de 1837 a 1901.

Apesar do luxo e expansão do império britânico caracterizarem esse período, assim como a consolidação da Revolução Industrial, a era Vitoriana também ficou conhecida por seus rígidos valores puritanos e pelas atitudes de uma sociedade hipócrita (pois por baixo desse estilo conservador, o número de prostíbulos e casas de ópio aumentaram consideravelmente). A sociedade vitoriana também quase não permitia uma ascensão social justa, já que o que importava era colocar as massas para trabalharem nas fábricas por longas jornadas exaustivas  - assim sendo, a exploração de mulheres e crianças é uma denúncia constante em vários relatos deste período. Não haviam escolas, as habitações e condições de saneamento eram muito precárias e as grandes cidades inglesas demonstravam claramente uma desigualdade social extrema, apesar do crescimento econômico. Um dos maiores autores da era vitoriana, Charles Dickens, retrata muito bem esse panorama em seus romances.

Mas as histórias que permeiam O infame clube tem a ver com as formas de liberdade que várias mulheres vitorianas buscaram para si, apesar de que seu objetivo final de vida fosse o casamento, aliado a uma vida marcada pela repressão e rigidez de costumes (ambos metaforizados no temível corset, peça de vestuário íntimo feminino que apertava horrores as costelas para que a mulher alcançasse um nível impossível de cintura fina, e consequentemente, de um padrão de beleza meio mórbido que hoje em dia me parece ser mais romantizado do que criticado). 

O infame clube vitoriano das mulheres livres é uma coluna de jornal britânico editado e publicado por uma mulher que possui o pseudônimo A Dama. Ela recebe cartas de mulheres que se sentem à vontade para contar suas histórias, para que assim, mostre às mulheres que leem que existe uma saída para suas angústias e opressões, encorajando-as a ter esperança. Não sabemos enquanto leitores se são histórias fictícias ou verídicas, mas acredito na máxima "a arte imita a vida". Uma das histórias eu verifiquei que realmente a protagonista existiu: a famosa Lady Isabel Burton, que acompanhou o marido em inúmeras aventuras pelo mundo afora além de ter publicado vários livros sem utilizar o artifício do pseudônimo. Ela diz que o marido sempre a incentivou a ser de fato "uma companheira de vida" e a escrever suas histórias. E ao que parece, um casal assim em plena era vitoriana é um verdadeiro milagre da existência social.

As histórias em geral refletem artifícios usados por mulheres que ansiavam por fazer valer sua independência financeira, realizar seus sonhos e até mesmo se defenderem de injustiças cometidas contra elas. Lemos sobre casos de travestismo, em que a mulher se traveste de homem para tocar os negócios da família ou simplesmente frequentar a escola de música; lemos sobre exemplos de sororidade, em que uma escrava salva sua senhora da morte ou quando uma ex-cozinheira estende as mãos à patroa recém-divorciada e excluída socialmente. Lemos sobre a vontade de uma moça em aprender a montar cavalos, mas é proibida pelo pai, que entende neste ato o perigo da ideia da liberdade. 

Enfim, de várias formas percebemos que, por mais que a submissão às regras da sociedade vitoriana fosse o esperado, várias mulheres ousaram ir além. E ainda bem que ousaram. E tomaram coragem. Sem esses exemplos, da vida real ou não, talvez outras mulheres não ousassem chegar ao patamar que chegamos hoje. Somos frutos de um passado histórico de conquistas e lutas, e olhar para trás, nesse sentido, me dá um certo conforto de que consigo seguir em frente e lutar por minhas ideias. Até porque, engana-se quem pensa que a guerra está ganha. O percurso trilhado por nós mulheres, pelo que observo diariamente, ainda é bem sinuoso e espinhoso. Avante então.

"Eu espero que como mulher você encontre a liberdade de um menino." p.34.





quinta-feira, 1 de agosto de 2019

"Crystal: uma história de sincretismo e encantaria", romance de Samira Fonseca

(Itapecuru-Mirim, MA: Ponto a Ponto Gráfica e Editora, 2017) Disponível para compra na Livraria AMEI do São Luís Shopping (São Luís, MA)

Olá beletristas, tudo bom? Cumprindo minha promessa de trazer mais indicações de leitura e resenhas de autores maranhenses aqui para este espaço, hoje vou falar de um romance mágico e contemporâneo que li recentemente: Crystal: uma história de sincretismo e encantaria. A autora Samira Fonseca é natural de Itapecuru-Mirim (MA), local onde reside e trabalha como professora, e é também uma das fundadoras da Academia Itapecuruense de Ciências, Letras e Artes - AICLA. Conheci a cidade em 2005 por conta de uma disciplina que fui ministrar lá pela Universidade Estadual do Maranhão (permaneci apenas 1 semana), e confesso que após ler o romance de Samira simplesmente cheguei à conclusão de que preciso retornar à Itapecuru para observá-la com esse olhar de "encantaria" que me encantou após a leitura de Crystal. A ficção tem dessas coisas mesmo: faz com que nós, leitores, queiramos vivenciar as páginas da história narrada. De preferência ao vivo e a cores.

Mas em parte acho que consegui adentrar em algumas ambientações do romance, pois o enredo se passa tanto em Itapecuru quanto na capital São Luís. Como nasci na Ilha de Upaon-Açu, conforme São Luís era nomeada pelos índios que aqui habitavam à época do descobrimento do Brasil, reconheci muitos lugares em que o professor de Música Pedro passeia com sua amiga Crystal, advogada e professora de História. Porém Pedro também mora em Itapecuru, e a narrativa te leva a (re)descobrir essa cidade  com seus encantos e peculiaridades, em especial o sincretismo religioso que existe lá entre o candomblé e o catolicismo.

Como toda boa história, esta possui um conflito central bem interessante: Crystal nunca recebeu o presente deixado pelo avô após seu falecimento, pois a avó dela não permitiu. Intrigado com esse mistério, Pedro decide investigar que presente é este e onde estará, pois acredita que Crystal merece recebê-lo e que ele tem relação com a história da família dela bem como suas origens. A jornada empreendida por Pedro também será amorosa, já que ele é apaixonado por Crystal desde os tempos de faculdade. A única pista que ambos tem é um poema deixado pelo avô da moça:

Na união do Orisum e do Ombarisá,
Descansando no seio santo,
Coberto do mais fino ouro branco
Protegido pelas mãos de Oxalá.

A escrita de Samira ainda se prende a alguns academicismos que considero desnecessários à ficção contemporânea, porém não compromete seu estilo que está em amadurecimento, já que o escritor se encontra em permanente construção de si mesmo. A linguagem clara misturada à estrutura de capítulos curtos torna a narrativa ágil e nem de longe maçante; pelo contrário, me vi tão envolvida na história que a li em um dia e meio. 

Samira demonstra um conhecimento invejável de temas que expõe com propriedade crítica ao longo do romance, como o sincretismo religioso (em especial quando descreve o Tambor de Mina) e a situação histórica e social de exclusão de áreas quilombolas da região de Itapecuru, aliada à falta de políticas públicas de inserção. Por esses temas mais que pertinentes, e que pertencem à história de nosso país, e por retratar com tanto amor sua cidade é que a leitura deste romance não pode passar despercebido, nem aos leitores maranhenses nem aos leitores do restante do Brasil.