A poeta norte-americana Sylvia Plath (1932-1963) é um daqueles intelectuais não muito citados em aulas ou compêndios canônicos...Talvez por ser mulher...Talvez por trabalhar com temas tabus para a sociedade: a morte, o suicídio, a crítica à hipocrisia.... Com uma linguagem extremamente honesta e ferina, ainda que simbólica e hermética, Plath conquistou em vida um breve reconhecimento pois encontrou dificuldade para publicar seus escritos - os editores não gostavam de sua temática e de seu estilo. Após a morte, aos 32 anos, seus poemas ganharam fama e respeito, colocando-a de vez nos debates dos meios acadêmicos.
Ela sempre foi uma criança precoce; muito inteligente, escrevia desde os 8 anos, colocando no papel suas dores e inquietações...Perdeu o pai cedo também e foi criada pela mãe em uma cidadezinha americana bem burguesa; teve a melhor educação que uma garota da década de 1950 poderia ter, mas ao invés de se reduzir à vida fútil e caseira do subúrbio, opta por ir à faculdade, o Smith College, onde se forma com louvor em 1955. Por isso ganha uma bolsa de estudos ( a Fullbright Scholarship) para ir à Universidade de Cambridge, na Inglaterra; sua estadia lá lhe rende não só o amadurecimento poético, mas também um casamento com o atormentado e egocêntrico poeta inglês Ted Hughes.
Foi paixão imediata...foi um encontro entre pessoas da mesma espécie...Ted foi a pessoa que mais incentivou Sylvia a escrever, a colocar pra fora seus sentimentos. Tiveram 2 filhos... a sintonia entre os dois era impressionável, segundo amigos do casal. Mas não foi o bastante para que ficassem juntos. A personalidade maníaco-depressiva de Sylvia não se conformou com as bebedeiras e as traições de Ted; a eterna necessidade do marido de ser o centro das atenções lhe consumiu de tal forma que Sylvia sucumbiu: após tentar inutilmente reatar um casamento esfacelado, e consequentemente ser rejeitada, ela se suicida inalando gás de cozinha...
Ariel não é um livro para leitores inexperientes. Nem para leitores com tendência à depressão. Foi a última produção de Plath, publicada em 1965 por Ted Hughes, que o fez para se eximir de qualquer acusação da sociedade; sim, pois muitos o condenaram por levá-la ao suicídio. No entanto, ao lermos a biografia e os poemas de Plath percebemos que seu tormento vem de muito cedo...Pertencente a uma geração de poetas chamada de Confessional Poets, como Robet Lowell - outro atormentado - só a entendemos plenamente se tivermos contato com sua história pessoal: a não-aceitação da morte do pai, 2 tentativas de suicídio, passagens por hospitais psiquiátricos, a relação de amor e ódio com Ted, tudo isso justifica o uso de termos mórbidos e da linguagem direta e irônica. Sylvia Plath não temia a morte; e ela gostava de desafiar a todos. Por isso deixo hoje com vocês o eterno e famoso Lady Lazarus...em que o eu lírico conta sua história sofrida....desafia e vence a morte no final...ressuscitando:
Tentei outra vez.
Um ano em cada dez
Eu dou um jeito —
Um tipo de milagre ambulante, minha pele
Brilha feito abajur nazista,
Meu pé direito
Peso de papel,
Meu rosto inexpressivo, fino
Linho judeu.
Dispa o pano
Oh, meu inimigo.
Eu te aterrorizo? —
O nariz, as covas dos olhos, a dentadura toda?
O hálito amargo
Desaparece num dia.
Em muito breve a carne
Que a caverna carcomeu vai estar
Em casa, em mim.
E eu uma mulher sempre sorrindo.
Tenho apenas trinta anos.
E como o gato, nove vidas para morrer.
Esta é a Número Três.
Que besteira
Aniquilar-se a cada década.
Um milhão de filamentos.
A multidão, comendo amendoim,
Se aglomera para ver
Desenfaixarem minhas mãos e pés —
O grande striptease.
Senhoras e senhores,
Eis minhas mãos
Meus joelhos.
Posso ser só pele e osso,
No entanto sou a mesma, idêntica mulher.
Tinha dez anos na primeira vez.
Foi acidente.
Na segunda quis
Ir até o fim e nunca mais voltar.
Oscilei, fechada
Como uma concha do mar.
Tiveram que chamar e chamar
E tirar os vermes de mim como pérolas grudentas.
Morrer
É uma arte, como tudo o mais.
Nisso sou excepcional.
Desse jeito faço parecer infernal.
Desse jeito faço parecer real.
Vão dizer que tenho vocação.
E muito fácil fazer isso numa cela.
É muito fácil fazer isso e ficar nela.
É o teatral
Regresso em plena luz do sol
Ao mesmo local, ao mesmo rosto, ao mesmo grito
Aflito e brutal:
"Milagre!"
Que me deixa mal.
Há um preço
Para olhar minhas cicatrizes, há um preço
Para ouvir meu coração —
Ele bate, afinal.
E há um preço, um preço muito alto
Para cada palavra ou cada toque
Ou mancha de sangue
Ou um pedaço de meu cabelo ou de minhas roupas.
E aí, Herr Doktor.
E aí, Herr Inimigo.
Sou sua obra-prima,
Sou seu tesouro,
O bebê de ouro puro
Que se funde num grito.
Me viro e carbonizo.
Não pense que subestimo sua grande preocupação.
Cinza, cinza —
Você fuça e atiça.
Carne, osso, não há mais nada ali —
Barra de sabão,
Anel de casamento,
Obturação de ouro.
Herr Deus, Herr Lúcifer
Cuidado.
Cuidado.
Saída das cinzas
Me levanto com meu cabelo ruivo
E devoro homens como ar.
Para quem quiser conhecer um pouco sobre Plath, assista ao filme que vale a pena!