segunda-feira, 15 de abril de 2019

Kyoto - romance de Yasunari Kawabata

(São Paulo: Estação Liberdade, 2006) Para adquirir, clique AQUI

"E antes de tudo era primavera. Viam-se também as nuances de cores de folhas das folhas tenras das montanhas de Higashiyama [...]" (p.63)

Olá beletristas de plantão! A resenha de hoje é sobre a obra que escolhi para o meu desafio literário 2019 do item Literatura Japonesa. Cheguei ao conhecimento de Kyoto (1961-1962), do Yasunari Kawabata por meio de um outro romance, o Voragem (1928-1930) do Junishiro Tanizaki, o qual li ano passado. Muitas vezes me perguntam como escolho as leituras que faço, mas em geral é aquela velha história: uma leitura puxa a outra kkk. Taí um bom exemplo desse caso com a literatura japonesa.

Pois bem, esses dois romances não se assemelham em quase nada, nem em seus enredos e técnicas de escrita e nem em sua temporalidade, já que foram escritos em períodos bem distintos da literatura; no entanto eles possuem um ponto em comum: foram publicados em folhetins. O Kawabata possui uma distinção enquanto autor: ganhou o Prêmio Nobel de Literatura em 1968 e revela em sua escrita muita sensibilidade e fineza, várias vezes até rebuscada, para narrar sua história. Ele realmente estudou Literatura na Universidade Imperial de Tóquio e "foi um dos fundadores da Bungei Jidai, revista literária influenciada pelo movimento modernista ocidental, em particular o Surrealismo francês." (3a capa, 2006)

Uma outra característica interessantíssima em sua forma de escrita é a evocação permanente de aspectos sensoriais (cheiro, visão, tato, paladar e audição). A descrição da natureza e sua influência na cultura japonesa é marcante em Kyoto, algo também revelado no delineamento de suas personagens. Eu entendo isso como um trunfo; nosso olhar ocidental apressado, porém, entenderia como lentidão e sob essa perspectiva, talvez muitos de vocês, leitores, não gostarão da leitura deste romance. Como sempre, eu vou na contramão do gosto apressado e indico Kyoto para que vocês aumentem o repertório cultural.

A história é a seguinte: Chieko é uma jovem de uns 20 anos, sensível e bonita, filha de Sada e Shige. Seus pais possuem uma loja atacadista de tecidos em um bairro de Kyoto e estão com complicações financeiras. Chieko sempre soube que fora adotada quando bebê, mas o que ela não imaginava era ter uma irmã gêmea, Naeko, a qual conhece de forma inusitada durante o famoso Festival Gion - um festival que saúda o verão. Logo percebemos a distinção de classes sociais a que as irmãs pertencem: Chieko possui estudo e é herdeira de um negócio tradicional; já Naeko foi criada num povoado rural próximo a Kyoto e teve uma vida mais simples. Apesar do susto, o que se sucede é a tentativa de Chieko de conhecer suas origens e aproximar a irmã de sua família, pois ela quer essa convivência.

Ao mesmo tempo em que descobre uma irmã, Chieko se vê desejada por aparentemente 3 jovens pretendentes: Hideo, artesão, filho de uma família tradicional dedicada ao ofício de produzir obis (faixas que compõem os quimonos) por meio do tear manual; e de dois irmãos, Shin'ishi e Ryusuke, bem diferentes entre si e já possuidores de atitudes mais "ocidentalizadas", e ambos herdeiros de uma próspera loja de atacado de quimonos. Há aqui, como em várias passagens do romance, a demonstração da dualidade entre tradição / passado X modernidade / presente (já que a época é a década de 1960): os pais de Chieko não a pressionam na escolha de seu futuro marido, deixando a ela esta decisão; eles querem mesmo que ela se case por amor, não importando as condições do pretendente. 

É importante destacar que os capítulos da obra metaforizam as estações do ano de uma forma bem delicada: a narrativa começa na primavera, no contemplar do florescer das cerejeiras e das "violetas que floresceram no tronco do velho bordo" (2006, p.13) e termina no inverno, com "as pequenas porções de folhas arredondadas, remanescentes nas extremidades dos cedros emprumados, e que pareciam a Chieko flores de inverno [...]" (2006, p.237).

Mas o que mais me chamou a atenção na leitura de Kyoto, e que eu já havia comentado anteriormente, é toda a revelação e explicação de vários aspectos culturais japoneses. Fica muito claro pra mim inclusive que a proposta mor da execução deste romance é destacar justamente esse âmbito da cultura e da história, já que na época o país estava passando por um processo de ocidentalização, recebendo cada vez mais turistas curiosos por seus costumes, pelos templos budistas e xintoístas, pelos festivais que celebram as estações do ano, enfim, curiosos pelo Oriente e por sua história tão diversa e tão mais antiga que a do Ocidente. É por agregar uma grande gama de conhecimento cultural que indico a leitura de Kyoto. Terminei-a querendo muitíssimo conhecer não só esta cidade, com muitos de seus patrimônios históricos tombados pela UNESCO pois foi a primeira capital do Japão, mas também Tóquio, a capital atual, que traz a modernidade em seu DNA.  

"Oh! .... Mas... Mas é minha irmã! Foi a graça dos deuses que nos ajudou." (p.125)