sábado, 24 de outubro de 2020

"O vampiro"(1819), conto de John William Polidori

 

(Edição Comemorativa de 200 anos. Org. Marina Sena. São Paulo: Ed. Sebo Clepsidra /Aetia Editorial, 2020). Adquirido por meio de financiamento coletivo do projeto do Sebo Clepsidra (siga o sebo no Instagram @seboclepsidra) no site Catarse em maio/2020. Recebi o livro em setembro/2020.

"Jure que por um ano e um dia não divulgará o que conhece de meus crimes e de minha morte para nenhum ser vivente de qualquer maneira, não importa o que aconteça, não importa o que vejes." (p. 64)

Olá Beletristas que amam um gótico e uma fofoca literária secular, tudo bom? Hoje trago pra vocês a indicação de leitura do famoso O vampiro (1819), conto de 24 páginas escrito pelo autor inglês John William Polidori (1795-1821), mais conhecido por ter sido médico do famigerado e amado Lord Byron (sem comentários para a importância desse poeta para a Literatura em termos globais). Polidori também foi muito mal interpretado pela crítica por anos por acharem, devido a um erro grave de apropriação editorial da época, de plagiar um fragmento literário de Byron, o qual este prontamente negou a fim de desvincular permanentemente seu nome ao conto de Polidori, já que o próprio poeta- devasso-lindo tinha aversão à figura folclórica do vampiro. (desculpem-me a intimidade e informalidade, mas quem foi meu aluno sabe que AMO Lord Byron desde sempre e para sempre. Sim. Devasso AND all).

A edição na qual li o conto de Polidori (ver referência acima) faz um resgate brilhante não só de O vampiro mas também de outros interessantes documentos da época: cartas, trechos de diários, fortuna crítica, resgate do período vivido na famosa Villa Diodatti em Genebra (Suíça), imagens e textos posteriores que se inspiraram em O vampiro. A história é muito boa sim e comparada com o tal fragmento escrito por Byron, é obviamente superior à esta e não há dúvidas sobre a autoria de Polidori. Angustiante do início ao fim, perfeitamente ambientado de acordo com o sentimento romântico melancólico próprio do começo do século XIX, o conto inova ao trazer a personagem do vampiro, aqui na figura de Lord Ruthven, como um aristocrata sedutor e enigmático.

Ao adentrar os salões londrinos, Lord Ruthven logo causa curiosidade aos homens e instiga paixão nas mulheres. Mas ele só quer as virtuosas e ingênuas. O jovem, inexperiente e igualmente rico Aubrey se oferece para acompanhar o recente "amigo" em uma viagem ao redor da Europa, mas ao perceber que Ruthven deixa um rastro de tragédias e desgraças por onde passa, Aubrey o abandona, seguindo sozinho para Atenas (Grécia). Lá ele se encanta não só com a cultura grega mas também com a bela Ianthe, que em uma de suas conversas, conta-lhe sobre a existência de vampiros naquela região. 

Atormentado pela história e relacionando todos os detalhes e características ouvidos à figura de Ruthven, Aubrey fica horrorizado, ainda que crédulo. O que o faz mudar completamente de ideia e reconsiderar sua racionalidade é a experiência noturna de, em uma noite chuvosa e tempestuosa, atravessar uma floresta, pois ele queria viajar a algum local de ruínas. A descrição total desse momento, desde a hora que Aubrey entra nesta floresta até a hora que sai, já tendo testemunhado os horrores vampirescos que se sucedem naquele ambiente fantasmagórico, é PERFEITO. Para mim, é um dos pontos mais bem construídos do enredo por Polidori. 

Fato é que após esse "incidente" trágico, tudo ao redor de Aubrey sofre uma nova reavaliação e percepção, e com a chegada inesperada de Lord Ruthven àquelas bandas, o jovem suspeita ainda mais das intenções do estranho amigo e passa a adotar atitudes igualmente estranhas e soturnas em sua volta à Inglaterra, preocupando seus tutores e sua virginal irmã. O que posso dizer é que até a última linha da história o suspense se mantém no suspiro e no olhar atento e na expectativa dos próximos fatos - eu estava muito curiosa com o final. E o desfecho é excelente. Porque vejam, a ideia da narrativa gótica é construir mesmo essa ambientação sombria e fantasmagórica até os últimos minutos da leitura, para que o leitor tenha a sensação de que tudo aquilo que está lendo ultrapasse as meras páginas do livro e penetre nele. Essa sensação é fantástica. É o famoso frio na espinha. Por isso recomendo ler qualquer texto assim à noite. De preferência à meia noite. Só assim a experiência será PERRRRRRFEITA! 

Incompreendido e menosprezado por seus "amigos", rompido com Lord Byron após trabalhar para ele por alguns meses em 1816, acusado de ter plagiado um texto do grande autor da época (Byron), Polidori viu seus direitos autorais negados pois os editores das revistas literárias nas quais o conto O vampiro foi publicado não acreditavam em suas cartas e atribuíram levianamente a autoria a Byron pois sabiam que venderiam muito mais assim. Ou seja, editores espertos que agiram de má-fé construíram a imagem de que Polidori era um plagiador e aproveitador. Mesmo após Byron ter escrito uma carta explicando que O Vampiro não era de sua autoria, milhares de revistas que haviam publicado o conto já haviam sido vendidas, e Polidori nem recebeu nada por isso. Afundado em dívidas de jogo e desiludido com suas aspirações literárias, o jovem médico que um dia sonhou em vir para o Brasil praticar sua medicina aqui, tira a própria vida aos 26 anos em 1821.