domingo, 20 de maio de 2018

À morte - poema de Florbela Espanca, poeta portuguesa. Por *Suzele T.do Nascimento e Francisca L. de Brito


À MORTE

Morte, minha Senhora Dona Morte,
Tão bom que deve ser o teu abraço!
Lânguido e doce como um doce laço
E como uma raiz, sereno e forte.

Não há mal que não sare ou não conforte
Tua mão que nos guia passo a passo,
Em ti, dentro de ti, no teu regaço
Não há triste destino nem má sorte.

Dona Morte dos dedos de veludo,
Fecha-me os olhos que já viram tudo!
Prende-me as asas que voaram tanto!

Vim da Moirama, sou filha de rei,
Má fada me encantou e aqui fiquei
À tua espera... quebra-me o encanto

Como sugere o próprio título, o poema tem como tema central a morte, a qual nos versos iniciais é tida como senhora do eu lírico; percebemos o diálogo ambíguo entre ambos nos versos 2,3 e 4, pois como pode a morte ter um abraço suave  e doce?

Posteriormente o eu lírico vê a morte como um remédio que sara e conforta todo mal, e nesse caso mais especificamente sara os males do corpo. Para quem sofre demasiadamente, a morte muitas vezes é vista como solução que leva a um destino onde não existe tristeza e nem má sorte (verso 8).

Claramente este eu lírico anseia pela morte, pois afirma nos versos 12,13,14 que somente ela pode quebrar o encanto colocado por uma fada má, que o aprisionou em um único lugar (supõe-se que esse aprisionamento seja o seu próprio corpo).

Relembrando o contexto histórico-social, a escrita do poema está inserido na primeira geração modernista portuguesa, período em que vozes poéticas femininas ainda não gozavam de muito reconhecimento na Literatura. Também nesse período é evidenciado o sentimento decadentista da autora, que já tinha sua vida marcada por algumas tragédias pessoais - um aborto fatal e a morte de seu querido irmão.

O poema À morte, assim como os demais poemas de Florbela Espanca, possui estrutura de soneto (marca registrada da autora). Sobressai-se aqui a figura de linguagem personificação, pois a Morte é esperada como alguém desejada como cura para os males do eu lírico. 
É interessante frisar que neste poema Espanca evidencia sua essência sofrida e melancólica, que busca na morte uma saída para suas dores - por isso os críticos literários a denominam de neo romântica. Infelizmente, assim como neste poema, a vida da poeta
culminou no desespero mortal do suicídio.

*Francisca Lopes de Brito e Suzele Torres do Nascimento são alunas do 6º período do Curso de Letras/ Português da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA/ Campus Caxias). Esta análise poética foi solicitada como requisito avaliativo da disciplina Literatura Portuguesa - do Simbolismo às Tendências Contemporâneas ministrada por mim este semestre.


sexta-feira, 4 de maio de 2018

Dois - romance de Oscar Nakasato

(São Paulo: Tordesilhas, 2017)

[...] e é claro, vai começar a falar de doença, velho gosta de falar de doença, vai se gabar das dores que tem, vai me indicar um remédio, um médico, uma simpatia, uma erva. (p.59)

Hoje, meus queridos, damos uma pausa nos contos e retomamos a indicação de leitura de um romance contemporâneo brasileiro: Dois, de Oscar Nakasato, publicado ano passado. É seu segundo romance. De acordo com a apresentação da editora, Nakasato já ganhou diversos prêmios literários com seus contos e seu primeiro romance, Nihonjin, ganhou o Prêmio Jabuti na categoria Romance em 2012.

Vamos a Dois. A narrativa se divide nos pontos de vista de dois irmãos na faixa de seus 70 anos -  Zé Paulo e Zé Eduardo. Os dois parecem contar a mesma história, dirigindo-se a seus passados, que envolvem contendas familiares, formas de criação, expectativas e frustrações. Logo de cara percebemos uma característica memorialista no romance, pela narrativa se voltar muito ao passado, apesar do ato de narrar se constituir no tempo presente. Outra coisa que identificamos é que as personalidades dos dois irmãos são tão diferentes que é impossível, após um tempo de leitura, não sabermos quem está narrando: Zé Paulo, o irmão mais velho, é um homem mais direto, mais rígido e mais ciente de suas responsabilidades, não só como filho mas como pai. Já Zé Eduardo, o caçula, nunca pensou em ser "modelo"para ninguém: por exemplo, na juventude se envolveu com as lutas do movimento estudantil e com a guerrilha na época do regime militar no Brasil. É mais flexível e repensa o passado com mais condescendência, porém sem o peso de ter carregado os fardos que Zé Paulo carregou. 

E aí reside a dualidade no romance, a qual estrapola a ficção e se aloja em nós, leitores. Será que enxergaremos os fatos com a singeleza e inocência de Zé Eduardo ou com a honestidade cortante de Zé Paulo? Tomaremos partido nas lamúrias, reclamações e razões de cada um? Para completar nosso conflito, descobrimos depois que ambos carregam uma mágoa do passado, uma tragédia familiar em que cada qual tem suas razões para culparem um ao outro. 

Posso dizer que adorei a forma de narrar de Nakasato - li em quase três dias esse romance! Essa forma íntima de contar, dos dois irmãos praticamente se "confessarem"a seus interlocutores (que podem ser tanto nós leitores como um neto ou eles próprios confessando a si mesmos, às suas consciências) me pegou de jeito. Uma leitura gostosa porém perigosa: afinal de contas, "mergulhar" em dramas familiares é sempre um convite para adentrarmos em nossas próprias vivências e lembranças de quem fomos.  De uma certa forma, sempre resta uma dúvida em relação à memória, a qual também permanece no romance: podemos julgar o passado com nossos olhos do presente?

Os anos na França me ensinaram: a paciência, a tranquilidade proporcionada pela ignorância e a alegria advinda da verdade que não se encontra nos livros e nas palestras acadêmicas. (p.117)