sexta-feira, 13 de maio de 2022

"Pulp Maranhense", de Mauro Cézar Vieira

São Luís (MA): Edição do autor, 2021. 200 pág.

Para refutar a ideia de que o Maranhão é eminentemente uma terra de poetas, venho indicar para vocês, com muito gosto, a leitura deste exemplar de prosa contemporânea: o Pulp Maranhense, do jovem autor Mauro Cézar Vieira. É na verdade uma coletânea de 3 novelas literárias, todas ambientadas em nossa capital, São Luís.

Eu já fui seduzida pelo título e creio que foi uma escolha das mais felizes: primeiro porque resgata o termo "pulp", talvez desconhecido da maioria dos leitores da geração atual; segundo porque se mostra coerente com o gênero das histórias - o terror. Referenciando o estudioso Oscar Nestarez¹, as revistas pulp fizeram muito sucesso entre os leitores norte-americanos na primeira metade do século XX, sendo que uma das mais famosas delas foi a Weird Tales. De produção barata - o termo pulp significa "polpa de madeira barata" - as revistas pulp fiction deram espaço às narrativas "que pareciam um verdadeiro baú de esquisitices, um repositório de desvarios e pesadelos". Ou seja: a característica - mor dessas histórias era o terror sobrenatural, contendo elementos dificilmente explicáveis pela nossa simples noção de realidade.

Baseada nessas informações prévias e sendo eu uma amante de histórias de terror, posso dizer que minhas expectativas de leitora foram bem atendidas. A primeira narrativa, Sinta-se em família, expõe o segredo de Nina, que chegando à idade adulta, deve por em prova uma herança maldita de família e assim, garantir sua descendência. O que ela não contava era se apaixonar por Roberto, o escolhido para cumprir seu destino. Já Olhos na escuridão, a mais extensa das 3 narrativas, ressignifica a famosa lenda maranhense da serpente: criado por sua tia Marta em Fortaleza, Eduardo resolve voltar a São Luís em busca de suas origens e acaba se deparando com verdades incômodas sobre sua mãe. No decorrer da empreitada, o rapaz conhece um velho professor de História de seus pais, o qual lhe explica que a tal lenda, na verdade, esconde uma seita macabra cujos rituais são conservados pela família de Eduardo há várias gerações. Sendo assim, ele precisará tomar algumas atitudes no intuito de impedir que isto se perpetue. 

Por fim temos Arrastando-se, a mais curta de todas as histórias: o casal de policiais Lúcio e Angélica investigam uma série de assassinatos inexplicáveis que seguem um mesmo padrão - a vítima invariavelmente tem seu braço decepado e comido. Seria o criminoso realmente humano? Com contornos de ficção científica, essa foi a que mais me agradou. Apenas por um gosto pessoal, mesmo, porque todas as narrativas são muito bem construídas. 

De uma forma geral, as histórias se unem pelo fio do sobrenatural e das relações familiares com dinâmicas estranhas a olhos externos, tornando-as, como Tzvetan Todorov² (2008, p.160-161) um dia teorizou, narrativas pertencentes ao gênero fantástico, mais precisamente a um fantástico-maravilhoso, pois os acontecimentos "não podem ser explicados pelas leis da natureza tais quais são reconhecidos". Nesse sentido, a função do sobrenatural é "subtrair o texto à ação da lei e, por este meio, transgredi-la." A premissa, por exemplo, encontrada em Olhos na escuridão, transgride todo o nosso entendimento da lenda da serpente e acabamos aceitando a coerência interna do texto. Assim, o discurso repassado por séculos é questionado pelo leitor, uma vez destruído pelo narrador.

Aliás, quero destacar que escrever uma história de terror demanda do autor algumas atenções técnicas, e nisto o Mauro Cézar Vieira não deixa a desejar. Um elemento importante é a ambientação: a descrição dos ambientes contribui para arquitetar todo o clima de suspense e garantir os sustos que o leitor tanto espera. Cada término de capítulo das novelas de Pulp Maranhense traz uma informação nova e o entrelaçamento dos enredos se faz de forma inteligente, sem deixar "pontas soltas", e o melhor: surpreende ao final.

Outra questão que eu gostaria de evidenciar é o brilhante conhecimento demonstrado pelo autor sobre espaço geográfico - que é o Centro de São Luís, em especial com relação à parte histórica. Eu me senti em casa e de fato é muito prazeroso perceber, na leitura, as personagens dessas novelas literárias se deslocando por lugares que eu mesma frequento - exceto pelas galerias subterrâneas da Igreja de Santo Antônio e da Fonte do Ribeirão ;) 

Ao final da leitura, fiquei com muita vontade de ver essas histórias adaptadas para o cinema, e é uma ideia super possível, já que o estilo de escrita do autor é ágil e nos remete aos thrillers da sétima arte. E aí? Alguém se habilita a escrever um roteiro adaptado e produzir esse longa? Vamos torcer que SIM!

REFERÊNCIA:

¹ NESTAREZ, Oscar. Weird Tales: a fantástica fábrica pulp de horrores cósmicos. In: terratreva.com 26 de nov. 2019.
 ² TODOROV, Tzvetan. As estruturas narrativas. São Paulo: Perspectiva, 2008. 

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