(São Paulo: Companhia das Letras, 2019)
"Mas a natureza humana não pode evitar ser o que é" (p.335)
O autor inglês Thomas Hardy é considerado pela crítica literária um dos últimos autores da era vitoriana, época em que a literatura inglesa floresceu enormemente, dos textos românticos das irmãs Brontë aos textos realistas de Charles Dickens. A sociedade vitoriana também provou das críticas ácidas contidas nas maravilhosas peças teatrais de Oscar Wilde e por fim, do pessimismo e da crítica ao puritanismo e conservadorismo nos romances e contos de Hardy.
Em seus textos ele se mostra muito mais um naturalista, no sentido de que retrata as vidas, os vícios e as desilusões das classes trabalhadoras e como essas pessoas não conseguem ascender socialmente por meritocracia, por mais que desejem. Daí se origina o pessimismo diante das vicissitudes da vida, tão bem apontado pela crítica como característica inerente dos textos de Hardy. A denúncia recorrente nos romances dele é que não há como fugir de algo que o indivíduo já está predestinado por vários motivos: porque é pobre; porque vem de uma família de degenerados; porque a moral e os bons costumes cerceiam o poder de decisão, escolha e liberdade que o indivíduo possui.
Considerando tudo isto, quero dizer que quando selecionei esse romance para ler eu já estava preparada espiritualmente para o que iria encontrar pela frente em suas quase 400 páginas. Eu já conheço a escrita desse autor desde quando li sua obra mais famosa, "Tess of the D'Ubervilles" (1891), que inclusive recomendo. Então pensei que gostaria de conhecer a triste história (sim, eu já imaginava que era triste) de "Jude, o obscuro" (1895).
O romance acompanha toda a trajetória de Jude, desde menino pobre e órfão criado pela tia-avó. Influenciado pelo sonho de seu professor, Mr. Phillotson, Jude também queria ser Doutor em Teologia e estudar na universidade de Christminster. Ele acreditava firmemente que conseguiria alcançar esse objetivo com esforço e afinco. E como Jude se dedicou. Ele estudava sempre à noite, pois de dia trabalhava muito, primeiro entregando os pães que sua tia avó fazia, depois como aprendiz de entalhador e restaurador de edifícios, fachadas e lápides.
Aos 19 anos Jude se apaixona pela esperta Arabella, que o induz a casar-se com ela insinuando uma suposta gravidez. Já casado, ele descobre que as coisas no casamento não parecem assim tão românticas, porém está disposto a manter sua palavra. Daí em diante são muitas as reviravoltas que a vida pregará em Jude, fazendo com que ele sucumba inclusive ao vício da bebida, entendendo que a realidade para pessoas como ele é muita dura e que o sonho de estudar em uma universidade é uma grande ilusão que ele construiu para si mesmo.
No entanto, um fato ainda maior acontecerá: Jude conhece a prima Sue Bridehead, uma mulher inteligente e questionadora de vários princípios sociais aos quais, como mulher, está imposta, como a indissolubilidade do matrimônio ( o divórcio era permitido mas moral e socialmente condenado) e os dogmas da igreja anglicana. Leitora de filósofos e de poetas nada ortodoxos, Sue exercerá o fascínio e a atração que levarão Jude a algumas felicidades e a muitas tragédias.
A narrativa é muito bem escrita, desnecessário dizer isso para um grande autor como Thomas Hardy: a sucessão dos capítulos e o desenrolar dos fatos surpreendem o leitor a todo momento, até o final. Lembro que o tempo todo eu me pegava refletindo: "meu Deus, coitado do Jude", ou então, "gente, o Jude não merece isso". Um outro ponto que gosto nos romances de Hardy é que as personagens femininas tem VOZ e expressam bastante suas angústias, seus medos e suas intenções, que muitas vezes são bem diferentes daquelas que se esperavam de uma mulher vitoriana. Arabella e Sue não são submissas e à sua maneira, se impõem perante uma sociedade marcada, como já disse, pelo puritanismo e patriarcalismo.
Ao final da leitura a impressão que fica, porém, é que não se pode fugir de um pré julgamento e de uma pré determinação social imposta a esses personagens, no caso Jude, Arabella, Sue e Phillotson. Por mais que eles lutem contra sua própria natureza e contra essa imposição moral vitoriana, no fim das contas eles perdem, de uma certa forma, esse jogo trágico que aceitaram apostar e contestar.
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