sábado, 23 de dezembro de 2017

A praça do diamante - Mercè Rodoreda

(Porto Alegre: Ed.Planeta, 2017)

"E tudo seguia assim, com pequenas preocupações, até que veio a república, e o Quimet ficou todo entusiasmado e andava pelas ruas gritando e agitando uma bandeira que nunca consegui descobrir de onde surgira. Ainda recordo aquele ar fresco, um ar, sempre me lembro, que nunca mais consegui sentir." (p.79)

Olá leitores, tudo bom? Muita correria nesse fim de ano, como sempre! A resenha literária da vez é sobre o romance A praça do diamante (publicado em 1965), da autora catalã Mercè Rodoreda. Tive uma leitura tão gostosa, fluiu tão fácil, que não demorei nem 3 dias completos para terminar de ler rssss Realmente o estilo de Rodoreda é cativante: com uma escrita ágil, ela vai delineando os fatos da vida da narradora-personagem, Natalia, em uma época conturbada na Espanha (a Guerra Civil Espanhola, que ocorre no final da década de 1930). Tudo acontece especificamente em Barcelona, capital da região da Catalunha e onde o enredo se desenrola.

Natália é uma jovem que leva uma vida simples e rotineira: trabalha em uma confeitaria e mora com o pai e a madrasta. Uma noite vai ao baile na Praça do Diamante com sua amiga Julieta e conhece Quimet (apelido catalão pra Joaquim), um rapaz impulsivo e enérgico que logo lhe apelida de Colometa ("pombinha" em catalão). Em poucos meses estão casados.

Logo a vida real vai se descortinando ante os olhos ingênuos de Natália: agora tem a seu lado um marido controlador, ciumento, ultra conservador e religioso, que não se dá bem nem com a própria mãe. E que depois inventa de criar um pombal no pequeno apartamento em que moram, com a ideia de que vão ganhar muito dinheiro com isso. 

A rotina de cuidar do pombal, dos filhos e da casa e trabalhar como criada para uma família burguesa nos dá um belo retrato das tensões vividas pelos espanhóis que culminará na Revolução de 1936 -  a qual tirará do poder os reis e instaurará a República. Quimet e seus  amigos Cintet e Mateu, imbuídos desse espírito de renovação logo se alistam, e de uma hora pra outra Natália terá que redimensionar as coisas em seu pequeno mundo.

A narrativa da Colometa é muito sinestésica: toda a sua percepção dos fatos e de suas memórias está associada à cheiros, cores, sabores e sons característicos de Barcelona: o beijo de Quimet tem sabor de café com leite, o mercado tem cheiro de mar (a cidade fica à margens do Mar Mediterrâneo). A narradora compara o ar de antes e depois da Revolução: antes, o ar era fresco; depois, o ar tem cheiro de "folha tenra e de flor em botão." 

Toda a linguagem é muito poética, metaforizando o início e o fim de um ciclo. Sem ser piégas e sentimental, muitas vezes bem humorada em meio às tragédias, a fala de Natália nos toca pois nos mostra como se amadurece com o dia-a-dia e com a sucessão dos fatos dos quais não temos mesmo controle. Esse é um romance que nos mostra que a única alternativa que temos é seguir sempre adiante, apesar das "pequenas" ou "grandes" tragédias, pois a dimensão e a importância quem dá somos nós mesmos a tudo o que nos acontece. E é também um romance sobre o amor, como afirma a autora Mercè Rodoreda nos posfácio da obra, datado de 1982. Porém penso que não é só o amor entre homem e mulher; é o amor à vida e à tudo aquilo que vem nesse pacote imprevisível.

"O que você acha desse estado atual do mundo?" (p.138)

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