quarta-feira, 21 de novembro de 2018

O processo do tenente Ieláguin, de Ivan Búnin

(São Paulo: Editora 34, 2016)

"É um caso horrível - estranho, enigmático, insolúvel. Se por um lado, é muito simples, por outro é bem complexo..." (p.11)

Imaginem vocês que essa novela literária começa o enredo assim??? Aí o autor já me mata de curiosidade logo de cara, né? Pois muito bem...e russo então! Nesse projeto que determinei pra mim esse ano (de ler literatura russa) estou procurando também autores que não conheço e nunca ouvi falar. E Ivan Búnin (1870 - 1953) entra exatamente neste caso. 

Ele é um dos autores que faz parte da geração de russos intelectuais que imigraram para outros países da Europa por não concordarem com o projeto político-ideológico instaurado após a Revolução Bolchevique de 1917 e que leva Lênin ao poder. Foi influenciado pelas leituras de Anton Tchekhov (o mestre dos contos russo e um dos meus autores preferidos!) e Leon Tolstói e traduziu diversos poetas consagrados para o russo, como o romântico inglês Lord Byron, o clássico italiano Petrarca e o norte-americano Henry W. Longfellow. Ganhou duas vezes o prêmio russo Púchkin (1896 e 1901) e posteriormente o Prêmio Nobel  de Literatura (1933). Ufa! Boas credenciais pra você ler Búnin agora, não é verdade?

Mas vamos à história inusitada - e já digo de antemão que se eu fosse da área jurídica, me apressaria em ler esta novela: Búnin se baseou em uma história real, que aconteceu décadas antes na Rússia, para escrevê-la. O processo do tenente Ieláguin (publicada em 1926 quando o autor já tinha imigrado para Paris) narra como se dá o processo de acusação deste jovem tenente, que confessa ter matado sua amante, a atriz famosa Sosnovskáia, atingindo-a com uma bala no peito. 

Alternando as vozes narrativas - uma hora quem fala é o advogado dele, outra hora o promotor, ou então um narrador onisciente - , o leitor tem a impressão de que é um espectador do próprio júri, acompanhando os testemunhos, as indagações e os autos do processo, estes cheios de lacunas que só serão resolvidas (ou entendidas) ao longo da leitura.  Porque o grande imbróglio do processo - e por isso eu uso o adjetivo inusitado - é que a vítima pediu pra ser morta! É com base nessa tese que a defesa de Ieláguin pretende inocentá-lo.

Mas em 88 páginas - que eu nem senti passar o tempo - começamos a entender melhor o contexto do relacionamento dos envolvidos (Ieláguin e Sosnovskáia), seus passados e suas personalidades doentias. Sim, tem muito de análise psicológica aqui nessa história e quanto ao final, só posso dizer que surpreende, mas como boa narrativa moderna, o leitor terá que construir seu sentido.

"É espantoso: como era possível, ainda que fosse apenas depois da leitura dessa carta, dizer: uniram-se duas pessoas que nada tinham em comum!" (p.40)


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