terça-feira, 5 de junho de 2018

As invernas, romance de Cristina Sánchez-Andrade

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(São Paulo: Tordesilhas, 2017)

"Ninguém suspeita nada do que aconteceu conosco. Somos jovens, cruzamos fronteiras,  rios, pontes, cidades, falamos inglês, vimos o mar e fizemos cinema. O que vamos fazer aqui, escondidas como os percevejos e fechadas para o mundo...?" (p.71)

Posso dizer que este romance já um dos melhores que li neste ano de 2018! A escrita fluída, direta e irônica da autora espanhola Cristina Sánchez-Andrade me conquistou por mesclar, em uma mesma narrativa, mistério, história e cinema, aliado ao cenário rural em que grande parte das ações acontecem.

O título do romance, As invernas, se relaciona ao apelido dado às irmãs Dolores e Saladina pelos habitantes do povoado de Terra Chã, na região da Galícia (entre Portugal e Espanha). A história se passa na década de 1950. Depois de muitos anos afastadas dali, elas retornam guardando um grande segredo e descobrindo outro, deixado por seu falecido avô: a de que ele comprou o cérebro de todos ali do local na época da Guerra Civil Espanhola (fins da década de 1930). E agora que os tempos de escassez e de conflitos findaram, as pessoas pleiteiam às irmãs a "revogação" desses contratos, pois não querem morrer e ficar sem seus cérebros.

As irmãs mais que tudo desejam se reintegrar àquela sociedade - para transpirar normalidade e para curar as mágoas do passado. Para Dolores e Saladina o povoado de Terra Chã não mudou: ali ainda está o mesmo padre, dom Manuel, que só pensa em buscar de casa em casa a contribuição dos fiéis (mesmo que a vasta maioria seja pobre); tio Rosendo, o professor da única escola, casado com a Viúva de Meis, mas que odeia a esposa; Tiernoamor, aquele que faz implantes de dentes com dentes extraídos de defuntos. E tantos outros habitantes cujas histórias se confundem com as lendas e "causos" do lugar.

A narrativa engendrada por Andrade tem um quê de história oral.  Ao lermos a obra, temos a impressão de que alguém que nos é íntimo nos conta sobre os percalços das invernas e dos moradores de Terra Chã, fazendo-nos rir ou entristecer. A dualidade das coisas e pessoas se apresenta constantemente, a começar pelas próprias irmãs: uma é bonita, a outra é feia; uma tem dentes, a outra não; porém ambas dividem a paixão pelo cinema. E elas sabem que não podem ficar ali no povoado para sempre. Apesar do relacionamento conflituoso, as irmãs seguem unidas pelas memórias do passado e pela incerteza do futuro. Será que Terra Chã tem algo mesmo a oferecer às invernas?

"Não é que eu tenha notado nada de concreto, mas tenho o palpite de que vão acontecer coisas, mais coisas..." (p. 231)

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