terça-feira, 6 de fevereiro de 2018

O Gigante Enterrado - Kazuo Ishiguro

(São Paulo: Companhia das Letras, 2015)

"Não lembramos das nossas brigas mais difíceis nem dos pequenos momentos que foram deliciosos e preciosos para nós. Não lembramos do nosso filho nem porque ele está longe de nós." (p.59)

Mais uma indicação de peso aqui no blog, não é meus queridos? Trouxemos o ganhador do Prêmio Nobel de Literatura de 2017, o escritor naturalizado inglês Kazuo Ishiguro e seu último romance, O Gigante Enterrado ("The buried giant"). Essa também foi a obra mais recente que meu clube de leitura discutiu, agora no final de janeiro. 

Ishiguro ganhou pontos comigo ao me transportar para a Inglaterra medieval de meados do século V / VI: a "paz" entre bretões e saxões está prestes a acabar, com a morte do Rei Arthur. Uma névoa insistente permeia as vilas inglesas, fazendo com que as pessoas esqueçam de coisas de seu passado antigo e recente. Criaturas fantásticas povoam e convivem com aldeões e cavaleiros, a exemplo de ogros, bruxas e fadas. E no meio de tudo isso um casal de idosos, Axl e Beatrice, resolvem finalmente fazer uma jornada: visitar o filho que não veem há décadas.

Ao longo da penosa viagem, o que nos comove o tempo todo é a forma com que Axl trata Beatrice - chama-a de "princesa" e nunca sai do seu lado, afirmando sempre que "está bem ali". A cumplicidade e o carinho desse casal parece inabalável diante do propósito de ver seu filho. Porém eles não farão essa viagem sozinhos: se juntarão o guerreiro saxão Winstan; o menino Edwin; e ocasionalmente, o ex -guerreiro da Távola Redonda, Gawain.

Fica muito claro para nós leitores que o grande lance aqui nunca é chegar ao destino final dessa viagem, até porque surge a necessidade de se entender a razão das pessoas estarem esquecendo das coisas de seu passado e a razão de ninguém ainda ter matado a dragoa Querig - a fumaça que ela exala é que origina a névoa que induz ao esquecimento coletivo. E nessa história que se revela metade novela de cavalaria medieval, metade romance fantástico, Ishiguro nos mostra, na verdade, a construção de uma alegoria ou fábula: a da memória coletiva e individual.

A memória coletiva representada em O Gigante Enterrado se dirige às grandes catástrofes cometidas contra a humanidade, e a forma com que nós superamos esses fatos trágicos. A memória individual se dirige ao próprio casal Axl e Beatrice: eles possuem uma história, com lembranças boas e ruins. O questionamento proposto pelo romance é igual para ambos: é necessário esquecer para seguir em frente ou podemos olhar para os fatos, analisá-los e nunca esquecê-los, para não cometermos os mesmos erros?

A metáfora da névoa, que representa o esquecimento, nos coloca esse dilema: o ato de esquecer é melhor que o ato de lembrar? E perdoar o outro por seus atos extremistas, que um dia ocasionaram mágoa - será possível perdoar quem um dia nos magoou tanto?

Ishiguro definitivamente fala neste romance de tempos insanos e incertos; de tempos em que não podemos nos eximir de enfrentar nossas próprias batalhas, a tempo de curar as feridas da alma. Só assim, rememorando o passado, é que podemos construir um novo futuro. 

"[...] quando já não há mais tempo para salvar, ainda há bastante tempo para se vingar." (p.301)

    

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